domingo, 12 de outubro de 2008

A infância e suas fantasias.

Oh, a infância. Período da vida em que tudo que você tem que se preocupar é em brincar e estudar matemática básica do estilo ummaisum e doismaisdois. Sua mente está ligada totalmente aos videogames, brincar na rua e desenhos animados, tendo em vista que os da minha infância são melhores que os desenhos animados atuais.

É no período da infância que se desenvolve as fases do "por quê". A criança começa a questionar sobre tudo, a razão daquilo ou o por que disso. A ingenuidade é uma coisa muito forte nessa época, todas as perguntas capciosas feitas pelas crianças são respondidas meio na base do gaguejo, meio na base do "...ahn...".

Como exemplo, uma aluna minha foi até minha mesa e me perguntou:

"Tio, como os bebês nascem?"
"... Ahn?"
"Como os bebês, tio... nascem!"
"Ehr... vamos ver... bom... é o seguinte. O homem tem um espermatozóide que é um bichinho pequenininho que não dá nem pra ver, e quando esse espermatozóide entra no ovário, que fica na mulher, ele vai crescendo até virar um bebê e aí, nasce!"
"Ahh, entendi! Só não entendi uma coisa..."
"O que?"
"O espermatozóide não fica no homem?"
"Fica."
"E o ovário não fica na mulher?"
"Fica."
"Como o espermatozóide passa do homem pra mulher então tio?"
"..." - Aí eu fico olhando ela... - "Aí é mais complicado, sabe? Quando você for mais velha, você vai entender sem ninguém precisar te explicar, OK? Agora vai sentar."

E mais uma vez, preservei a inocência e a fantasia de uma criança, explicando o ciclo de nascimento dos bebês, sem citar uma obscenidade qualquer. Viu só?

Quando pequeno eu tinha uma série de perguntas inexplicáveis, que nunca conseguia entender. Eram coisas bobas e totalmente idiotas hoje, mas naquela época era um dos mistérios mais inexplicáveis que um ser humano poderia ter. De qualquer forma, listarei-as aqui, para uma melhor compreensão do que eu tento explicar.

- O mistério dos moradores da caixa preta

Sim, caixa preta é a TV. Nunca consegui compreender o real funcionamento da TV até uns 12 ou 13, quando procurei ler sobre o assunto. Assumo, foi demasiado tarde, mas considerando que eu nem tinha pressa pra saber isso...

Minha maior dúvida era como inferno os apresentadores do Jornal Nacional poderiam viver ali dentro, sem lazer, conforto, tendo que se apertar pra não bater a cabeça no teto da TV. Fiquei com muita pena deles. E não só dos apresentadores, também do elenco de todas as novelas. Coitados, viver dentro de uma caixa preta pouco maior que eles, e eram muitos, o que significa que deveria ser MUITO apertado ali.

Quase que fundei um projeto para salvar os moradores da TV. Pretendia arrecadar fundos, juntar todo o tipo de ajuda possível para resgatá-los. Tipo aquelas propagandas pra salvar vidas, que vários artistas se juntam num coro pra cantar alguma música de sonoridade lenta e pra ninar em prol de salvar vidas.

Até que um dia a TV aqui de casa queimou. Minha mãe deu chilique, já que ficar sem novela era o cúmulo do absurdo pra ela. Meu pai foi levar a TV na eletrotécnica pra consertar e eu disse:

"Posso ir, pai, posso, hein pai, por favor, deixa eu ir, hein pai, hein?"
"Tá Catito, entra no carro."

E lá fomos nós em direção ao local do conserto. Entramos na loja e logo atrás era a oficina. Fomos entrando e ao cruzarmos a porta, avistei várias TVs sem a carcaça, com o circuito pra fora, podrera mesmo.

Ali, meus ideais de salvação de vidas foram por água abaixo. Artistas não moravam nas TVs! Eram duendes, criaturas fantasiosas, demônios from hell, tudo, MENOS moradores da caixa preta. Enquanto meu pai explicava pro técnico qual era o problema da TV, eu fiquei olhando uma TV sem a carcaça. Me bateu uma dor no coração saber que toda minha luta seria em vão. Talvez eu morreria pra salvá-los e depois de dar minha miserável vida em prol do bem maior, descobriria que eles não passariam de uma farsa.

Tudo bem, que se fodam. Hoje eu sei que eles não vivem em caixas pretas. Aliás, eles vivem MUITO melhor que 90% da população do Brasil.

- O mistério das listras da caixa preta, branca, ou qualquer outra cor.

Eu sempre gostei de ver jornal. Mesmo quando criança, a frase "Ajudante de pedreiro mata ex-esposa na saída do forró." sempre disse algo a mais pra mim. Informação é e sempre foi um entretenimento pra mim.

Lembro que eu sentava na frente da TV na hora do Jornal Nacional para saber o valor das ações, embora, pra ser sincero, NUNCA ENTENDI COMO AQUELA PORRA FUNCIONA. A alta do dólar era algo totalmente irrelevante pra mim, até tempos atrás.

Economia nunca foi meu forte. Enfim, o que eu gostava era de ver aquelas reportagens que o entrevistador, o câmera e mais dois pela-saco entravam em uma delegacia para entrevistar e logo atrás, havia um computador com o monitor ligado. O que assolava minhas noites de sono era o fato de que os monitores deles tinham listrinhas na tela que desciam a todo o tempo. Primeiro uma, depois outra, continuamente. O monitor ligado lá atrás e eu tentando descobrir como infernos aquele monitor tinha aquele recurso.

Era algo intrigante. Nunca vi um monitor ter aquelas listrinhas sobe-desce na vida real. Aquilo sempre foi visto só na TV por mim. Será um recurso super-ultra secreto usado pela polícia para intimidar a visão de terroristas árabes armados? Ou um novo método de criptografia 256 bits, que deixa o possível invasor tonto o bastante para tentar trabalhar em uma invasão?

...

Não, era só a taxa de atualização do monitor que é muito rápida, e a lente de uma câmera pra registrar não conseguia acompanhar a velocidade, resultando naquelas listras que ficam subindo e descendo NA PORRA DO MONITOR.

- Mistério da dor de cabeça.

Quando eu era pequeno e meus pais ainda eram cansados, era comum eu ver eles se queixando de dor de cabeça. Era "dor de cabeça" pra cá, "dor de cabeça" pra lá, e eu não entendia que cacete era aquele.

Sempre minha mãe ou meu pai chegavam do trampo reclamando de enxaqueca, e eu não entendia a causa daquilo tudo. Eu chegava ao cúmulo de imaginar meus pais no trampo levando marteladas na cabeça, golpes dados por terceiros. Enfim.

Hoje eu entendo o sentido da frase: "Não amola, pivete."

- Mistério da cocaína no saquinho de pipoca

pipoca TInha um pipoqueiro na minha escola, o seu Jonas. Grande amigo das criancinhas, mas o terror das mães. A pipoca que ele fazia era boa pra caramba, não sei se era o milho usado, ou o método (que não tinha nada de diferente de outros métodos) ou o fato de eu ser criança e aquilo pra mim, era uma maravilha.

O fato é que começou a correr boato de que pipoqueiros colocavam ao invés de sal, cocaína. Para tipo, "viciar" os garotinhos. Para as mães mais idiotas e que sofrem de medo sem lógica explicativa, aquilo de fato era assustador. Eis que começara o terror em torno das pipocas. Tudo era imundo, não compre aquilo, não aceite drogas, essas coisas.

cocaina O comércio ambulante de gêneros alimentícios começou a decair. A desconfiança que foi-se tomando em torno da classe era de fato muito constrangedor. Por causa de um boato sem fundamento. Aliás, como o cara vendendo pipoca vai ter dinheiro pra comprar cocaína, que custa uma fortuna, pra colocar no saquinho de pipoca? O lucro não bancaria jamais. E aliás, eu nunca cheirei nem comi cocaína, mas não me parece que aquilo tem gosto salgado. O que me sugere que ao provar, o garoto faz uma cara feia e diz:

"Credo mãe, isso aqui tá com gosto de cocaína!"

 

- Loira do banheiro

 lourabanheiroEssa é lendária, e todo mundo já ouviu falar. Se você nunca ouviu falar, você é verde e tem antenas.

Pois bem, reza a lenda que habita no banheiro de cada escola, uma mina loira que morreu a muitos anos atrás dentro do banheiro da escola em questão. E desde então, ela está em cada banheiro pra assustar cada garotinho que vai lá fazer as necessidades.

Há quem diga que quando foi cagar no banheiro, ouviu a voz suave e doce da loira e não sabe se cagou de medo ou por que estava com vontade. Outros que não conseguiram cagar, por que trancaram o cu ao verem sua imagem pelo espelho. Mas ouve um caso de um desbravador garoto da minha sala na primeira série que demonstrou bravura ao enfrentar a lenda.

Não lembro o nome do comedinha, mas conto-lhes o fato de que a lenda corria solta pela escola. Ninguém ia tal banheiro. Até que ele, não aguentando foi fazer as necessidades, correndo para o banheiro e voltando um ou dois minutos depois. E a explicação:

"Não tive medo, ela é mulher. Não pode entrar no banheiro dos homens!"

E batia no peito, como um símbolo da coragem infantil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário