Poucas cenas são tão memoráveis quanto a que eu passei hoje. Foi algo… bíblico talvez. Digno de uma longa história que um dia por certo, contarei para meus netos. Claro, se um dia eu chegar a ter filhos. Sabem como é, dão muito trabalho…
Pois bem… a coisa começa da seguinte forma… minha banda não possuía bateria para ensaios, e a essa altura do campeonato, era necessário uma. Extremamente necessário, tava na seca de pelo menos ensaiar hoje. É foda, essa parada nos matou, mas hoje é o dia que tudo isso acabou.
Depois de uma breve reunião e uma pequena pesquisa pela internet, orkut afora, Luiz encontrou o proprietário de uma bateria que estava interessado em vendê-la, a um preço bastante razoável. Conversamos entre nós e combinamos a melhor forma de pagamento, eis que fechamos negócio. Com a gente é assim, tem que ser no ato e na hora, o tempo é a única coisa que a gente não consegue de volta. E é claro, os equipamentos roubados.
Problema: o cara morava em Timóteo, cidade que fica a não sei quantos quilômetros daqui de Ipatinga, apesar de ser cidade vizinha. Não tinha outro jeito, a gente ia ter que fazer uma pequena viagem pra adquirir o produto. Então beleza, vamo lá.
Montamos no carro, e eu já comecei a sentir enjôo. Não me caçoem, maiem, zoem ou gastem. Eu sofro de enjôo em carro a muito tempo, e parece que não estou curado até hoje. Aquelas balançadas de cabeça, viradas bruscas, acelerando e voltando o carro, o tempo… aquilo me mata.
Chegando mais ou menos na metade do caminho, a gente tem ainda que chegar e descobrir o bairro em que o cara morava. Eis que a gente sai perguntando, entra aqui e ali, e virando toda hora, a cabeça começou a pesar, fui suando frio, e sentindo a cabeça pesar. Pra mim, essa é a pior sensação que eu um dia poderia sentir. Se bem que nunca levei tiro nem facada, portanto meus conceitos de comparação são limitados. Mas posso afirmar, é bem desagradável, e o pior é saber que eu já deveria estar livre disso, já que meu pai trabalhou com carros a vida inteira. Parece que DNA não é tudo em um ser humano.
Após perguntar e receber algumas informações, encontramos a casa do rapaz. Não foi difícil, o difícil foi tentar respirar quando se está bem enjoado como eu estava.
No momento em que estacionamos na porta dele e chamamos, eu tratei logo de sair do carro, e tentar vomitar, mas nada saía… enquanto Luiz e Rízio negociavam com ele, e adentrando a casa do garoto, eu dei uma desculpa…
“Eu vou fechar o vidro do carro e pegar a chave…”
Porra nenhuma, eu tava era doido pra enfiar o dedo na garganta e chamar a janta pra fora. Cheguei perto de um muro e tentei vomitar, mas nada saía. Nada mesmo. Só saliva. Era como se o mingau não estivesse preparado. Depois de umas tentativas frustradas, eu desisti e entrei cambaleando a casa do rapaz como um bêbado sem direção e o que eu vi foi a irmã dele sentado na sala e vendo filme do Adam Sandler que passou hoje à tarde. Dei um “oi” amarelo e fui entrando na casa, encontrando-os ao redor da bateria.
Papo vai, papo vem e eu com a cabeça pesada, dixavando e dizendo “é, isso aí”, de vez em quando, tentando respirar, mas nada. Eu juro que cheguei a pensar que ia chamar o Juca na sala do cara ali sem dó nem piedade. Já tava até imaginando uma possível desculpa para os moradores da casa.
“Desculpa é que eu… an…” e vomitava de novo.
Por sorte, isso não ocorreu…
Carregamos o carro e trouxemos a bateria de volta. Apesar de tudo, me senti bem de estar voltando pra casa, parece uma eternidade uma estrada. É como se não tivesse fim, e olha que eu fui aqui do lado em Timóteo. É foda.
Devo lembrar-lhes que o Rízio é um dos motoristas mais 22 que eu já conheci. Ele sai dando conversão de 3ª, ele é cheio dos automatismos. Não é atoa que ele já acidentou algumas vezes, e não demora a dar PT num carango aí. Aguardem e verão. Ele que fica esperto não.
E naquele balançar, o caldo infernal só sendo preparado. É como se eu fosse um caldeirão com mingau batido dentro. Uma hora ele ia sair, só questão de tempo e de quanto eu iria aguentar aquele mal-estar. Nem vontade de cagar é mais urgente que aquilo.
Eis que chegando em Ipatinga, não teve jeito. Numa rua desconhecida, porém movimentada, o que eu pude fazer era mandar o Rízio estacionar o carro.
“Pra que meu filho?”
“Eu vou vomitar cara…”
Não deu outra… foi o tempo dele jogar o carro e eu sair pra rua. E dei uma pequena olhada aonde eu estava preparado pra jogar um caldo infernal. Na porta de uma igreja Assembléia de Deus.
“Assembléia de Deus?” pensei comigo. “Não é aquela que as mulheres andam de saias até a canela e não transam antes do casamento?” Certa vez, soube que nem as axilas elas rapam, mas isso caiu por terra quando perguntei isso a uma garota. Não é assim também, elas tem higiene. Mais que eu, eu acho. De qualquer forma, meu senso de garotinho bonzinho foi posto à prova ali. De um lado, o fato de que eu estava doido pra vomitar, a substância plasmenta subia cada centímetro da minha garganta e já estava indo de encontro à guela. De outro lado, era a casa do Senhor. Vomitar ali não seria falta de respeito? Jogar fora o alimento dado é sempre pecado, mas cresci com uma dúvida a respeito disso: e se eu o vomitasse? Pecado também?
Não deu outra, e não haveria hora pior pra eu vomitar na frente de uma igreja. Estava tendo culto, ou ensaio, e havia uma pá de gente na porta e nas janelas.
“Que Deus me perdoe, mas dá não…”
Foi dito e feito. Me levantei, como um soldado ferido, fui caminhando lentamente até o poste, com algumas pessoas me olhando estranhamente já. Encostei a mão no poste, e foi o tempo de enfiar o dedo na guela e mandar pra fora aquele inferno que me consumia por dentro. É gratificante, prazeroso e muito, muito regenerador. Nojento, talvez, mas é o preço que eu paguei pra ficar bom em tão pouco tempo. Era só isso? Só botar a janta pra fora e sair sorrindo com aquele gosto ruim na boca?
Eis que sento no meio fio pra me recompor do baque de jogar 5 colheres de arroz, 3 de feijão, 2 bifes, 5 batatas cozidas, e uma considerável quantidade de Coca-Cola pra fora e me cai a ficha. Olhei pra trás e uma tropa de fiel me vendo. Apontando, rindo, quem sabe, até na chacota.
Pensei em fazer estilo aqueles caras que se revoltam por estarem pagando um mico e reparando e rodar um chilique em plena praça pública.
“TÃO OLHANDO O QUE HEIN? NUNCA VIRAM NÃO?”
Mas desisti da idéia antes mesmo de pesar os fatos e analisar friamente se ela seria uma boa. Isso seria mais vergonha em público ainda. Um tumulto com fiéis da igreja chamaria o pastor pra me colocar nos eixos e tudo o mais. Quem sabe ele sairia de lá de dentro com uma Bíblia debaixo dos braços, terno, engravatado e me perguntaria:
“Meu rapaz, por que consome tanto álcool?”
“Como?”
“Álcool!”
“Me desculpe senhor, do que está falando?”
“De você encher a cara e vir vomitar na frente da minha igreja, seu filho do demônio.”
Ele provavelmente acharia que eu sou um desses noinhas filhinhos de papai que consomem alta quantidade de cachaça e derivados e vomitaria na porta de uma igreja, quem sabe uma aposta entre amigos:
“Oh, ali eu duvido que você vomita!”
Enfim. Lamento muito por ter vomitado na hora do culto na frente de um a igreja. Mas apesar de lamentar, se estivesse nas mesmas condições, vomitaria até mesmo dentro da igreja, afinal, urgência é urgência.
Quem sabe até depois de tudo, o pastor não tenha saído e visto aquela gosma from hell na porta da sua igreja? Lamento pastor, se o senhor estiver vendo isso, saiba que eu não fiz por mal. Foi puta azar encontrar aquele lugar justo na frente da igreja do Senhor. Não, não pensei que meus atos fossem inconsequentes, apenas tive a urgência de jogar a broca pra fora. Então, peço que me perdoe se a igreja atingida foi a sua, não foi a minha intenção. Sabe, se eu tivesse forças pra andar até o lote vago e vomitar no mendigo que ali se encontrava dormindo, eu também não o faria. Seria maldade demais.
E do outro lado, outro lote vago, mas provavelmente haveria uma garrafa de Heineken pronta pra ser acusada, apontado pra mim, como se fosse eu o tomador da garotinha.
Não, pastor, aquilo não foi fruto do álcool, e sim de um motorista que balança o carro de forma exagerada. Obrigado pela compreensão.