domingo, 15 de junho de 2008

Eu e o futebol. Em parte.

Quando somos crianças, a tendência é seguirmos com mais exatidão os conselhos dos pais. Por exemplo, a gente toma mais cuidado e sempre tem medo de desobedecer. Só que infelizmente, tem coisas que não dá pra encarar dos pais.

Vejamos, tem a lei daquele cara da maçã lá, o Isaque Nilton (sim, eu sei que é Isaac Newton). "Toda ação tem uma reação".

Baseado nisso, deixe-me contar uma historinha para os senhores aqui, prometo ser o mais breve possível.

Meu pai amou futebol até os 40 anos de idade. Depois disso ele, sei lá, perdeu o gosto. Simplesmente não curte tanto assim. Mas quando eu era pimpolho e meu pai tinha o auge dos seus 38ão, ele chegou em casa com uma bolsa:

"Aí Catito, abre aí."
"Oba, o que que é pai?"
"Abre e vai ver rapaz!"
"Mas o que é?"
"ABRE LOGO ESSA MERDA DE BOLSA!"

E aí quando eu abri, tinha um uniforme de jogadorzinho de futebol, uma chuteira de número 37 (que meu pai errou, na época eu calçava 36...), caneleira, meião e tudo mais. O objetivo do meu pai era me transformar num astro do futebol, uma lenda dos gramados, que eu ganhasse milhões, casasse 5 vezes com mulheres todas gostosas. Ainda bem, pegar travestis não era, nem nunca foi o meu plano. Nem o dele.

E assim se fez, afinal, personalidade de menino de 8 anos é proporcional a do seu pai (o filho é meu, ele vai fazer o que eu quero"), e meu pai me inscreveu em uma Escolinha de Futebol do bairro. Todas as terças e quintas às 15:30.

No primeiro dia, meu pai com os olhinhos brilhantes me levou para o treino. Ao chegarmos, ele me deixou lá e foi embora. Hoje eu sei que ele se escondia atrás da árvore e ficava me observando jogar, mas ele não sabe que eu sei. Eu não posso roubar um momento da infância do filho dele assim.

"É aí dentro filho."

Aí eu meio tímido, me adentrei no campo. O professor que eu nem me lembro o nome estava sentado num banco com a perna engessada e gritando com um aluno:

"TOCA ESSA BOLA, PORRAAAAAAAA. FOMINHA."

Ao passo que um outro reclamou:

"Poxa, foi falta professor!"
"VIRA HOME MENINO. TU TEM O QUE DENTRO DA CUECA??"

Não sei se notaram, mas ele só falava gritando.

Aí eu, cheguei pra conversar com ele.

"Professor...?"
"FALA RAPAZ."
"É, eu sou o aluno novo."
"CAIO NÉ?"
"É, sou eu mesmo."
"DEIXA SUA MOCHILA AÍ E DÁ CINCO VOLTAS NO CAMPO CORRENDO."
"Não, é que..."
"SEIS AGORA."

E como eu não tinha escolha, dei as 5 voltas no campo correndo. Na época eu demorei uns 15 minutos. Hoje eu demoraria uns 2 dias correndo.

Terminando, ele me chamou pra uma conversa.

"CAIO, EU VOU TE CHAMAR DE CACAUZIM."
"De que?"
"DE CACAUZIM."
"Ah tá..."

(é que o apelido do meu pai entre todos os amigos dele é Cacau, eu não sei por que. Daí, pelo fato de eu ser filho dele, os caras achavam que eu era uma versão perfeita em miniatura do meu pai. Sendo que meu irmão que parece com ele mesmo.)

"SEU PAI QUER VOCÊ NO ATAQUE."
"Você conhece meu pai?"
"A UNS 20 ANOS."
"POIS É, SEU PAI QUER VOCÊ NO ATAQUE RAPAZ."

Aí que complicou... eu odiava futebol, e depois que meu pai já tinha feito tudo pra me matricular, me incentivou, me levou, e tudo mais, eu não teria coragem de dizer que não estava afim. Resumindo, eu só estava fazendo aquele treino pra agradar o coroa. Nada mais. Por que, por mim, aquele campo de futebol que se ferrasse...

Mas continuei.

"Ahn, ataque? Mas logo assim de cara?"
"MAS QUANDO EU OLHEI PRA VOCÊ, JÁ VI QUE VOCÊ É RUIM DE BOLA PRA MAIS DE METRO. VOU DEIXAR VOCÊ NO MEIO DE CAMPO, E NOS JOGOS VOCÊ FICA MAIS PRA FRENTE UM POUQUINHO PRO SEU PAI ACHAR QUE VOCÊ É CENTRO-AVANTE."
"..."
"BELEZA?"
"Tem lugar no banco não?"
"TEM NÃO, NO BANCO É SÓ OS DERROTADOS."

Aí eu olhei pro banco. Tinha um menino com a bombinha de asma, um gripado soltando catarro igual torneira, um que gritou "tiooo, quero fazer xixi" e um com pinta de viado. De fato, só derrotados.

"E quem vai pro ataque então?"
"O VANDIM."

E aí ele apontou pro Vandim.

O que eu lembro de ter visto foi um menino com brinco na orelha, lotado de espinha, camisa dos Power Rangers (aquela temporada da alameda dos Anjos), cabelo ruim pra caralho e zoiudo. O famoso metido a boleiro, sabe qual é? Raça ruim da porra, tem que morrer todo mundo.

Eu olhei ele de cima abaixo sem esboçar expressão nenhuma e disse:

"Tá ué..."

Aí eu como sempre fui mais ou menos comunicativo:

"E aí Vandim?"
"E aí doido?"
"Você vai jogar no ataque né?"
"Pois é..."
"Você deve estar aqui a um tempo né?"
"Nada, entrei semana passada..."
"Então é bom de bola pacas, né?"
"Nada, é que o treinador é meu pai."
"..."

Esse, que eu me lembre foi o primeiro momento que eu lidei com nepotismo bruto.

Nem precisa dizer, o menino era uma negação pura. Ruim de bola, ouso dizer que era pior que eu umas 2 ou 3 vezes. Errava gol na cara, fazia raiva no time, e ainda reclamava. Boleiro mesmo, tem jeito não.

E assim se foi nessa saga de martírio durante longos 3 meses. Até que era a festa de confraternização da galera do time lá, aí ele já avisou:

"DOMINGO É A FESTA AQUI NO SALÃO DO CAMPO. É PRA TRAZER OS PAIS."

Aí que fudeu, mas tá OK. Cheguei em casa, entreguei o bilhete pro meu pai e o resultado foi meu pai acordando no domingo e me levantando:

"Bora Catito, é hoje a festa lá rapaz."

E montando no carro, ele ligou o sertanejo pé de serra dele. O caminho todo eu olhava pra rua e pedia pelamordedeus que meu pai esquecesse o caminho. Mas não, ele foi direto.

Chegando lá, uma multidão de pais e filhos reunidos, os pais com cerveja e os filhos com refrigerante, carne assando a zói, e o pagodão comendo solto. Tava uma nojeira uns 30 homens e 30 filhos embrenhados num recinto daquele. Mas tudo bem, tudo pela felicidade do meu pai.

E assim continuou aquele martírio até que eu simplesmente parei de ir, não sei por que. Pra quem queria um filho jogador de futebol, pagodeiro e metido a bom de bola, meu pai não atingiu muito seus objetivos...

Mas eu sei que o velho gosta de mim. Eu sei. u.u

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