domingo, 7 de setembro de 2008

Velho Timbú

Ah, os causos. Contos que envolvem situações que contando, muita gente duvida. As vezes, um causo não precisa nem mesmo ser verdadeiro, basta que seja engraçado, que o torne peculiar e que acima de tudo a pessoa saiba contá-lo.

Um bom contador de causos é a pessoa que sabe contar não se esquecendo de nenhum detalhe, imitando vozes, fazendo uma verdadeira arte cênica em torno do conto. Tudo se torna uma história muito bem contada, uma verdadeira forma de entretenimento.

Perdão, não sou um bom contador de causos. E não se trata de modéstia quando digo isso, se trata mesmo é de fato. Conto um causo aqui e outro acolá, mas no entanto falta-me a essência, aquela forma de contar ricamente um fato.

Tudo isso me faz lembrar do velho Timbú, o maior contador de causo que já ouvi falar.

Velho Timbú, não sei por que lhe deram essa alcunha. O mais próximo que soube é que um chará dele foi pego nas pegadinhas do Mução, mas isso é história pra outro post. O velho Timbú em questão se trata de um andarilho que passa por cidades interioranas a conhecer velhos aposentados frequentadores de bares copo sujo. É bom comunicador, embora não domine muito o português, assassinando o mesmo com erros grotescos. Pudera, poucos imaginam qual seja o seu grau de escolaridade. Se poucos imaginam, menos ainda sabem de fato até que ponto da educação acadêmica velho Timbú alcançou.

Andava sempre sujo, maltrapilho e só tomava um banho por semana. Acreditem, diziam que fedia mais que Satanás no inferno. Seu único bem eram as roupas do corpo e uma velha canastra que levava consigo sempre. Ninguém nunca soube o que havia dentro da tal canastra, e isso causava um certo nível de curiosidade em todos ao redor. Mas não aquela curiosidade torturadora, e sim aquela que desperta mas depois passa. Afinal, que importância teria? A essa altura do campeonato, velho Timbú já era taxado de louco e se ele abrisse aquela canastra e não houvesse nada no interior, muito natural. Não achavam que velho Timbú estaria em seu juízo perfeito.

Não tinha todos os dentes dentro da boca. Pra ser franco, só haviam dois ou três. Dizia ele que a Fada dos dentes foi visitá-lo e fez a proposta de 100 reais por dente que ele arrancasse. Naquele dia, velho Timbú faturara uma boa quantia em dinheiro, mas perdera todos os seus dentes.

- Mas velho Timbú, como ela arrancou os dentes?
- Ela tinha um alicatinho meu fi...
- E ela pagou em dinheiro.
- Não, ela feiz um depósito na minha conta.

E assim ia contando seus causos. Sempre era na mesa de um bar, um queijo provolone fedido e mal cortado sobre a mesa e 4 ou 5 copinhos de cachaça com seus respectivos donos acompanhando cada palavra da prosa do velho Timbú.

Pois então, contava ele que um dia passando por uma dessas cidades do interior aí, que só Deus sabe aonde fica, resolveu parar pra beber água na bica. Morto de sede, encostou a boca na corrente d´agua e está matando sua sede quando de repente chega um capiau mascando um pedacinho de mato na beirada da boca, camisa levantada mostrando o umbigo e parte do cofre pra fora da calça.

- Bom dia.
- Bom dia.
-
responde o velho Timbú. Nessa época, ele ainda tinha a barba bem feita e as pessoas não o confundiam com um mendigo ao vê-lo.
- Bebendo uma agüinha aí né?

Aí velho Timbú parou. Uma coisa era ser gentil na conversa e tolerar arrogância. Burrice já era outra coisa totalmente diferente. O capiau estava querendo falar alguma coisa e estava tentando dar nó em pingo d´agua, enrolando e conversando pelos cantos. Mas velho Timbú foi direto ao ponto:

- É uai. Algum pobrema?
- Pra mim, num tem ninhum não sinhô. O pobrema é o prefei daí.
- Que tem o prefeito home?
- Ele num gosta. Fala que essa água da bica num é pra qualqué um bebê. E eu vô te que leva o sinhô pra falá com ele.
- Vamo simbora intão uai!

Velho Timbú fazia questão de frizar em todos os seus causos que era muito corajoso, que não tinha medo de nada. E todo mundo ia na conversa dele, mesmo sabendo que era mentira, pra não cortar o barato daquele velho louco.

Andaram pelas ruazinhas da cidadezinha. Conta o velho Timbú que todas eram feitas daqueles bloquinhos de paralelepípedos, com casas dos dois lados da rua e fofoqueiras de beirada de janela. Ao fundo, se via a igreja e logo ao lado a prefeitura.

Foram pra lá que eles rumaram. Pelo menos é o que conta o velho Timbú.

Ao chegar na prefeitura, toparam com o guardinha de lá, que se mostrou parcialmente prestativo.

- O seu guarda... vá chamá o prefeito, fazen favô.
- Eu bem que queria, mas num vai dá não Chiquim. - era o nome do capiau.
- Uai, e purcaudiquê que num vai dá pra chamá o prefeito home?
- É que hoje é sábado, e dia de sábado o prefeito num trabaia não.
- Mas assim num dá pra falá com ele dia ninhum, ele num trabaia dia ninhum!
- Isso é bem verdade, mas ele vem cá na prefeitura di sigunda a sexta, home. Dia de sábado ele nem dá as cara qui não.
- Eita diacho!
- Má porcaudiquê que tu qué falá com o prefeito home?
- É esse home aqui. Eu peguei ele tomãnágua da bica ali da entrada da cidade.
- Ahh, Chiquim, vá caçá sirviço, vagabundo! Largue mão de trem atoa. Tu sabe que prefeito num tá nem aí praquela bica, e tu ficaí melando saco do home.
- Óia como tu fala comigo seu safado!
- Vagabundo mesmo, e digo mais! Tu me deve aqueles cinquentinha inté hoje! Tome jeito de me pagar, senão lhe corto os bago fora e tu num bota mais ninguém nessa terra!

Aquilo foi a gota d´agua. Chiquim sacou a peixeira, e os dois se enfrentaram ali no hall da prefeitura. Rolou de tudo, tapa na cara, chute na beirada do ouvido, soco no estômago, ambas as mães foram xingadas 10 ou 12 vezes por parte de cada um e pra terminar, o guarda sacou a arma meteu um tiro no peito de Chiquim.

Não deu outra. Seu Chiquim caiu duro no chão. A essa altura da prosa, velho Timbú já tava chato já. Tanta lorota em cima de uma história só, é o fim. Ninguém mais tava acreditando em uma palavra daquele velho atoa, mas convenhamos: esperar sanidade de uma pessoa que possui menos de 4 dentes na boca é uma exigência muito grande.

Velho Timbú continuou o causo. Todo mundo continuou ouvindo, não por querer saber o desfecho, mas pra ouvir as lorotas daquele velho vagabundo, até aonde ele iria.

Conta velho Timbú que depois que o vigia matou Chiquim, ele começou a se desesperar.

- Calma home, guarde essa arma, antes que eu vá abraçar o capeta também! - gritou velho Timbú. Ele a essa altura já havia se lembrado de que projéteis são totalmente ofensivos ao corpo humano, ainda mais em velocidade alucinante como a de uma bala.
- Ahhhhhhhhh MEU DEUS DO CÉU! Matei um home! Otro! to fudido! To ferraaaaado. Eles vão comê meu cu de novo na cadeia! Pelamordedeus, num me entregue não home!
- Ma eu num vô entregá ocê não home, baixe esse berro aí!
- Aahhhhh me-me-meudeusdocéu! Que que eu faço home? Que eu faço!
- Ih home sei não... baixa o berro que nóis pensa...

Por fim, o vigia resolveu abaixar a arma. Olhando o cadáver do Chiquim, virou e pegou a carteira no bolso do defunto.

- Que tu tá fazeno home? - perguntou o velho Timbú
- To pegando a cartera do home uai! Priciso do dinhêro pra fugi!
- Tu vai fugi?!
- Não, vo me intregá e passar 15 ano em cana porcaus que matei um zé buceta que num vale nada! LÓGICO QUE VO FUGI!
- ...
- Tu tem idéia mió?
- Pior que num tenho não... pensando bem, passô da hora docê caí no mato.

E velho Timbú prometeu continuar a história em outro post.

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