domingo, 10 de agosto de 2008

A verdade, Somente a Verdade

O texto seguinte se trata de uma fábula cuja autoria pertence ao mestre Millôr Fernandes, um astro do humor literário. Se não o conhece, favor ir ao inferno. Não que ele esteja lá...

A verdade, somente a verdade (à maneira dos Dinamarqueses)

MillorRapaz pobre e triste (pobre já diria tudo. Triste é consequente.), sereno e tímido, amava a trêfega e requestada filha de um grande Milionário (filha de um grande milionário já diria tudo. Trêfega e requestada é consequente.). Que fazer? Faltava-lhe coragem para o ato de exprimir-se, dizendo a ela o tanto que a amava. Assim, foi consultar um amigo. Explicou-lhe todo o seu problema, os anseios de sua alma, as necessidades de seu coração. "Amo-a como não se ama o próprio Sol, quero-a mais do que a mim próprio, sinto que a minha vida palpita com a vida dela. Não creio que possa viver sem ela, longe dos seus dias, meus dias serão noites, ela é o ponto de fusão sentimental para que foi condicionada minha alma. Não tenho coragem de me declarar. Mas tudo que ela quiser farei, farei tudo que você me aconselhar.

O amigo que era um refinado (refinado, não renomado!) advogado, pôs o dedo no queixo em atitude de pensar (para o leitor ter uma idéia melhor dessa pose, consulte um álbum de reproduções de Rodin e veja aquela famosa figura em que ele fixou um cavalheiro pensando na mulher de seu melhor amigo.). E juntando a ação à ação, pensou. Funda e demoradamente. E disse: "Por acaso dos acasos, filho, tenho hoje um jantar com, justamente, o pai da jovem que você ama. Proporei o seu casamento com a moça. E ela aceitará, pode estar certo". - "Ela aceitará? Ela aceitará? E se ela aceitar, o pai deixará, deixará, deixará?" - perguntou o apaixonado. "Deixe isso comigo que eu resolvo" - disse o advogado. - "Responda-me apenas uma coisa: se eu lhe desse nesse momento 10 mil contos pelos seus dois braços, você aceitaria?" (experimente fazer essa proposta em certas regiões pobres do Brasil: haverá oferta de dúzias de bbraços por metade do preço.) - "Mas que loucura! De modo algum! Nem é coisa de se pensar! Eu..." "Está bem, está bem" - interrompeu-o o advogado - "Era só para saber".

E na hora combinada, foi jantar com o milionário. E no momento propício, falou à moça sobre o rapaz. E de tal forma falou à moça que a moça ficou inclinada a aceitar a mão do rapaz. Ele, hábil, aproveitou o momento em que ela estava inclinada, deu-lhe um pequeno empurrão e ela caiu de admiração pelo desconhecido jovem. Veio então a vez do pai. O advogado aproveitou também um hiato na conversa do velho com dezessete outros milionários e "introduziu" o rapaz na conversação. Fê-lo inteligente, fê-lo belo, fê-lo bom, fê-lo vivaz, divertido e carinhoso. O velho porém, experiente de vida e temeroso de entregar a filha a um papanatas, tonitroou grosseiramente: "Está bem que ele seja tudo isso, mas dinheiro, tem?" - "Bem" - titubeou (quem titubeia fala tibuteia) o advogado - "isso eu não posso informar ao certo, mas sei que hoje mesmo ele recusou 10.000 contos por duas propriedades dele".

E um mês depois o rapaz casava com a moça e foram todos muito felizes tendo o advogado cobrado um lindo honorário pelos seus serviços profissionais. (posteriormente a moça veio a perceber que tinha admiração mesmo era pelo próprio advogado, que o marido não tinha personalidade. Mas isso já está no Cirano de Bergerac.)

Moral: Dizem as más línguas que George Washington cortou a macieira só para ter a oportunidade de não mentir ao pai e passar à história como um exemplo de honestidade.

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